Um mar carregado de presságios

O livro chama-se Eu vim para ver a terra. Editou-o em 1965 a Agência-Geral do Ultramar, na sua colecção «Unidade», iniciando com ele a secção «Crónica». A autora assinou-o como «Maria Ondina», sem mais apelidos. Só depois passaria chamar-se «Maria Ondina Braga». São notas de viagem, sobre Angola, Goa e Macau, onde viveu e onde leccionou. O livro perseguia-me, por ser o único que me faltava da colecção que fui juntando. Ao tê-lo finalmente nas mãos, emprestado por alguém que levou a gentileza ao ponto de o requisitar numa biblioteca como se fosse para si, cedendo-mo, verifiquei com espanto que as primeiras crónicas tratavam do que eu tanta vez fiz na minha terra natal: a viagem de Luanda a Salazar e de Salazar a Malanje, em caminho de ferro, na automotora das oito e meia da manhã. Foi com esse sentimento de familiaridade e de pertença que me dediquei a lê-lo. Africano não africanista regressei pelas suas páginas ao universo portentoso daquela «lembrança antiga e magoada que nos pertence», àquela «terra úbere até ao esbanjamento», «terra dos primeiros dias do mundo, misto de espiritual e de pagão, de angélico e de demoníaco, a que recebe as chuvas em bacanais de ramos e raízessob um céu de púrpura reflectindo-se o mar pálido, carregado de presságios». Tal como ela, através das suas páginas, eu vim para ver a terra

Ondina em poesia

Ao ter revisto, para o referir neste blog, a primeira obra em prosa de Maria Ondina descobri que ela escreveu dois livros de poesia, de que não consegui encontrar qualquer exemplar: O Meu Sentir, editado em 1949 e Almas e Rimas, saído em 1952. Roga-se a qualquer leitor benévolo o favor de uma qualquer informação.

A secreta intimidade

«Escritora do mundo calado da tristeza e da solidão», Maria Ondina Braga é autora dos seguintes livros:

* O Meu Sentir (1949) - Poesia
* Alma e Rimas (1952) - Poesia
* Eu Vim para Ver a Terra (1965) - Crónicas, Agência Geral do Ultramar
* A China Fica ao Lado (1968) - Contos (Prémio do concurso de Manuscritos do SNI em 1966)
* Estátua de Sal (1969) - Romance
* Amor e Morte (1970) - Contos (Prémio Ricardo Malheiros)
* Os Rostos de Jano (1973) - Novelas
* A Revolta das Palavras (1975) - Contos
* A Personagem (1978) - Romance
* Mulheres Escritoras (1980)
* Estação Morta (1980) - Contos
* O Homem da Ilha e Outros Contos (1982)
* A Casa Suspensa (1983)
* Angústia em Pequim (1984)
* Lua de Sangue (1986)
* Memórias e mais dizeres (1988)
* Nocturno em Macau (1991) - Romance (Prémio Eça de Queirós)
* A Rosa de Jericó (1992)
* Passagem do Cabo (1994)
* A Filha do Juramento (1995)
* Vidas Vencidas (1998) (Grande Prémio de Literatura ITF 2000)
* O Jantar Chinês e outros contos (2004)

Traduziu, entre outros, Graham Greene, John Le Carré, Anais Nin, Bertrand Russel, Marcuse e Todorovl, além de obras de literatura juvenil e de divulgação científica. Em 1990 foi argumentista de um breve filme de 21 minutos, realizado por Vítor Silva, intitulado «A Lição de Inglês».
Tem colaboração na página literária do «Diário de Notícias», no «Diário Popular», «A Capital», e nas revistas «Panorama», «Mulher», «Acção» e «Colóquio Letras».

Não é possível

Esteve em Malanje, onde eu nasci, em Macau, onde eu sofri. É de um livro dela o título de um blog onde eu escrevo. Criatura espectacular, escrevi-lhe uma carta, na esperança de a conhecer, estava ela a morrer. Sofri com a falta de resposta. Sofri mais ao saber que tinha interrompido a vida. Cada vez que me falam nela, ilumina-se-me a alma. Eu sei que é uma loucura com tanto o que me ocupa, me prende, me obriga, eu sei que é impossível com o meu pouco tempo, eu sei mesmo que há tanta outra coisa que eu deveria estar a fazer neste momento, exactamente nesta noite abafada de calor pegajoso em que escrevo este primeiro momento que lhe é dedicado. Maria Ondina Soares Fernandes Braga nasceu em Braga em 13 de Janeiro de 1922. Não é possível que tenha falecido.